Ciência – Mundo
Cientifico –
Viver sem internet
por um ano
Por Discovery Brasil
10 de maio de 2013
Quem tem a sorte de
fazer parte da sociedade de consumo, com todas as suas facilidades, ritmos e
vícios, tem o direito de estabelecer uma existência conectada. Tudo está
disponível e facilitado, aberto à interação, trocas e descobertas. Nesse
cenário, é difícil pensar em um mundo mais lento e minucioso.
O que aconteceria
com quem, por um motivo ou por outro, decidisse se afastar desse mundo?
Atenção: essa hipótese nada tem a ver com o filme Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, nem prevê um
cenário hostil. A referência, nesse caso, são os que escolhem se desconectar em
um sentido mais literal: permanecer off-line em um mundo que, cada vez mais,
caracteriza-se por viver on-line.
Essa foi a decisão
de um dos jornalistas de tecnologia do site The Verge: cansado
do ritmo da conexão contínua, Paul Miller aceitou o desafio e se desconectou em
1º de maio de 2012, com o objetivo de permanecer um ano inteiro sem conexão com
a web. O desafio era múltiplo: ele não imaginava como seria viver sem estar
conectado, mas pensou que talvez a vida real, seu verdadeiro eu, existisse off-line.
O site remunerou o jornalista durante os 365 dias da experiência, cujo
objetivo era descobrir como a internet havia “afetado” Miller ao longo dos
anos. Ele percebeu que a melhor maneira de entender o fenômeno era se
afastando, para observá-lo de fora. Segundo o relato que Miller escreveu ao
final do processo, a experiência o transformou em uma pessoa melhor, fazendo-o
entender como a internet o estava corrompendo.
Ele então respirou fundo, tomou impulso e se soltou: desligou o cabo
Ethernet, desconfigurou sua rede Wi-Fi e trocou seu Smartphone por um modelo
básico. Enfim, liberdade.
A fantasia da
desconexão
Tudo começou bem. Miller passou a ver o mundo à sua volta de outra
forma. “Minha vida estava repleta de eventos afortunados: encontro com pessoas
de verdade, frisbee no parque, passeios de bicicleta e literatura grega. Criei
meio romance e escrevi mais do que nunca. Durante os primeiros meses, meu chefe
reclamou que eu estava escrevendo demais”, recorda.
As primeiras semanas serviram para comprovar a hipótese inicial de Paul.
Afastar-se da cultura breve e efêmera que predomina na internet serviu para
expandir sua mente para novas direções e desenvolver os pensamentos com mais
profundidade. Também compreendeu o quanto se pode aprender sem estar conectado,
por meio da nova disposição que adquiriu quanto ao uso do tempo.
Uma das mudanças fundamentais foi parar de trocar e-mails para receber e
responder cartas (ele usava uma caixa postal para receber a correspondência).
Aí também viu uma forma de entretenimento, porque recordou o valor das
conversas tangíveis.
As más decisões nos
perseguem
Mas
a experiência não foi de todo pacífica. Miller começou a sentir o rigor da
desconexão no final de 2012. Então, já sabia como fazer más escolhas e perder
tempo sem depender da ajuda da internet. O fastio deixou de ser um estímulo
para ser a mais pesada das cargas.
Então,
por uma estranha razão, caiu em um estado de torpor. Começou a ficar cada vez
mais tempo jogado no sofá, sem fazer nada produtivo, e tornou-se fanático por
videogames pouco construtivos. Passou do entusiasmo que a nova vida havia lhe
mostrado para uma introversão bastante insólita.
Como
se explica essa mudança? Como se produz uma ruptura? Miller entendeu que a
moral não é afetada pela presença da internet. As coisas práticas, às quais
estamos acostumados todos os dias, continuam existindo, mas as atividades
apresentam uma dificuldade adicional. O maior obstáculo era o contato com os
amigos: para ele, era mais fácil falar com eles pelas redes sociais ou
aplicativos móveis, por uma questão de praticidade. Ele relevou por algum
tempo, mas se deu por vencido quando percebeu que os contatos passaram a ser
mais espaçados porque dependiam de formas não tecnológicas.
Nas
palavras de Paul Miller: “É difícil definir onde estava a mudança. Creio que os
primeiros meses foram bons porque percebi a ausência de pressão por estar sem
internet. Minha liberdade parecia palpável, mas no momento em que deixei de me
ver como uma pessoa ‘desconectada’, minha existência tornou-se mundana. Foi
quando veio à tona meu lado mais pessimista”.
Durante a
experiência, ele assistiu a uma conferência em Nova York chamada “Teorizando
sobre a web”. No evento, teve a oportunidade de conversar com Nathan Jurgenson,
um dos organizadores, que lhe falou sobre a “realidade no virtual e o virtual
no real”: “Quando usamos um telefone ou computador, continuamos a ser humanos
que ocupam tempo e espaço, e quando estamos longe de nossos dispositivos,
aproveitamos o tempo livre pensando, por exemplo, em twittar para
contar o que nos aconteceu”, explicou Miller.
Está
frase foi fundamental para que Paul entendesse como era sua relação com o meio:
seu “verdadeiro eu” existia desde sempre e, na verdade, tratava-se de uma
pessoa que estava inevitavelmente conectada à internet.
A internet não tem
culpa
“Não
posso culpar a internet por meus problemas e fatos circunstanciais. Minhas
preferências são as mesmas, independentemente de estar on-line ou offline, e
tenho certeza de que minha conexão com a web não é um fator determinante para
mudá-las”, conclui.
Embora
seja uma experiência particular, impossível de ser generalizada por falta de
rigor científico, a bem-sucedida desconexão de Miller serve para fornecer outro
ponto de vista às alegações de alguns apocalípticos, que defendem o fim da
existência da própria internet.
A internet
não é algo individual: ela dialoga com a construção coletiva. A Rede, hoje, é
onde as pessoas estão.
Texto
em PDF:
Disponível
em < http://noticias.discoverybrasil.uol.com.br/viver-sem-internet-por-um-ano/
> Acesso dia 04 de junho de 2013.
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