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Legado
da Copa: ex-elefante branco tem hoje mais de 35 mil na 3ª divisão alemã
Por BBC Brasil
15 de maio de 2014
Leipzig sempre foi uma cidade de tradição esportiva na Alemanha. Em
1900, foi o lugar escolhido para sediar a recém-fundada Federação Alemã de
Futebol. Durante os anos da Guerra Fria, quando o país esteve dividido, Leipzig
foi um celeiro de campeões olímpicos da Alemanha Oriental.
Mas em 2006, quando sediou cinco jogos da Copa do Mundo, Leipzig estava
praticamente falida em termos esportivos. Seus dois times - os tradicionais
Lokomotive e Chemie - estavam quebrados e jogando apenas a quarta divisão do
campeonato alemão.
Na década anterior, após a unificação, os ricos clubes da ex-Alemanha
Ocidental - como Bayern de Munique e Borussia Dortmund - haviam comprado todos
os melhores jogadores dos clubes locais, deixando um vácuo de talentos. O mesmo
aconteceu em diversos setores da economia - de universidades a empresas.
Leipzig foi a única cidade da antiga Alemanha Oriental a sediar jogos da
Copa. A opção pela cidade foi política, já que o público pagante em jogos de
futebol raramente ultrapassava 4 mil nessa época.
Estádio de Leipzig foi único da antiga Alemanha Oriental na Copa e
esteve vazio por 3 anos
"Era preciso mostrar ao mundo um país unificado e não podíamos ter
a Copa do Mundo apenas em cidades da Alemanha Ocidental", disse à BBC
Brasil o próprio prefeito da cidade, Burqhard Jung.
O belíssimo Zentralstadion foi renovado antes da Copa com ajuda do poder
público. Um estádio moderno foi construído praticamente dentro da antiga
estrutura comunista dos anos 1950, em uma parte bucólica da cidade. Durante a
Copa, os jogos foram um sucesso, com o estádio sempre lotado.
Jornalista Thomas Kunze conta que times antigos da cidade atraíam
torcedores radicais
Mas os políticos sabiam que depois do Mundial, esse moderno estádio
seria uma dor de cabeça. E por três anos, ele foi o único elefante branco da
Copa da Alemanha. As poucas ocasiões em que esteve lotado foram nos poucos
amistosos da seleção alemã.
Plano ambicioso
Naqueles anos, nem Lokomotiv ou o Chemie empolgavam. O Chemie chegou a
ocupar o Zentralstadion até 2007. Mas em um estádio com 45 mil lugares, sua
média de público de 4 mil pessoas era insuficiente para sequer pagar contas do
cotidiano, como água, luz e funcionários.
De 2007 a 2009, o estádio esteve nas mãos de um administrador privado,
que só conseguiu amealhar grandes públicos para shows esporádicos de atrações
internacionais, como AC/DC, Genesis e Bon Jovi.
Três anos depois da Copa, uma multinacional viu na cidade uma
oportunidade para alavancar seus negócios.
A empresa austríaca de bebidas energéticas Red Bull tinha um ambicioso
plano: montar um time para um dia jogar a Primeira Divisão da Bundesliga, o
campeonato alemão.
Jogo do RB Leipzig que praticamente selou promoção à 2ª divisão teve
mais de 35 mil pessoas
A estratégia de marketing da Red Bull é promover sua marca em
competições não apenas com patrocínios a eventos e publicidade direta, mas sim
montando equipes que levam o seu nome. Na Fórmula 1, a Red Bull possui dois
times - o principal deles foi campeão de construtores e pilotos nos últimos
quatro anos. No futebol, a multinacional possui times com seu nome em Nova
York, Salzburgo (Áustria) e Campinas (o Red Bull Brasil, que disputará no ano
que vem seu primeiro Paulistão).
Para o prefeito da cidade, o fator decisivo na chegada do Red Bull à
cidade não foi só a existência de um estádio de Copa do Mundo, mas sim um
conjunto de fatores: a densa população da cidade (1,5 milhão de pessoas vivem
em Leipzig e arredores) e a longa tradição esportiva.
"Foi isso que atraiu eles: tínhamos infraestrutura, tínhamos
torcedores, tínhamos tradição, e por isso eles decidiram vir para cá", diz
Jung.
Chegada
tumultuada
A empresa austríaca, porém, não foi bem-recebida em sua chegada na
Alemanha.
Para já começar jogando em divisões superiores, a Red Bull decidiu
comprar a licença de esportes de um time local (necessária para disputar
torneios). Caso criasse um clube da estaca zero, a equipe teria que passar anos
disputando divisões inferiores até subir.
Inicialmente, o grupo tentou comprar o quebrado Chemie, mas os próprios
torcedores da equipe protestaram de forma violenta e a Red Bull desistiu. Os
torcedores não queriam ver a tradição local sendo "comprada" e
colocada à serviço do marketing de uma multinacional. Anos depois, sem
recursos, o Chemie decretou falência e fechou.
A saída para a Red Bull foi comprar a licença de um pequeno clube das
imediações, o SSV Markranstädt, que disputava a quinta divisão. Como os
estatutos alemães não permitem o uso de marcas comerciais no nome de times, a
Red Bull rebatizou o clube como RasenBall Leipzig ("Bola de Gramado
Leipzig"). Assim, a marca da empresa fica implícita no nome abreviado do
clube: RB Leipzig.
Já no primeiro ano, o grupo formado subiu da quinta para a quarta
divisão. No ano seguinte, a multinacional fez um contrato de 30 anos para
ocupar o Zentralstadion, que foi rebatizado de Red Bull Arena.
A virada
Prefeito de Leipzig diz que cidade teve sorte de atrair multinacional
Ainda assim, a equipe jogava para públicos pequenos e com dificuldades.
O ônibus do time era sempre alvo de protestos por onde o clube passava, já que
muitos não gostavam de ver uma marca comercial competindo em um universo
dominado pela tradição.
"Eles vieram em 2009, com muito dinheiro e muitos planos. Mas a
maior parte das pessoas em Leipzig não os recebeu de braços abertos. Eles
pensavam que se tratava apenas de uma empresa querendo ganhar dinheiro vendendo
bebidas energéticas", lembra Kunze.
Mas ao longo dos anos, a Red Bull conquistou seu espaço em Leipzig.
Para Thomas Kunze, dois fatores explicam o apelo do Red Bull junto à
população local.
O primeiro, ironicamente, para o jornalista, foram as constantes
derrotas do RB Leipzig nos primeiros anos. O time ficou três anos patinando na
quarta divisão sem conseguir subir. Foi ali, segundo o jornalista, que os
torcedores perceberam que o time não era uma "máquina" formada com
dinheiro, mas sim, com jogadores "humanos", que erravam e acertavam.
Outro fator foi a falta de um time "para as famílias" da
cidade. Os clubes tradicionais da cidade eram associados a pensamentos
extremistas: o Lokomotiv tem apoio de facções neonazistas; o Chemie contava com
radicais de esquerda na sua base.
"Era raro você ter um clássico na cidade sem a presença enorme de
policiais e violência", lembra o jornalista esportivo. O marketing do Red
Bull é voltado para famílias, que não se sentiam à vontade torcendo para os
outros clubes.
Ao vencer a quarta divisão, a cidade abraçou o time, e o estádio começou
a encher. Neste ano, o RB Leipzig teve em média 20 mil pessoas em seus jogos.
Na partida decisiva contra o Darmstadt 98, no feriado de Páscoa, que
praticamente selou a ascensão para a Segunda Divisão, 35 mil torcedores
compareceram.
Na mesma hora, o tradicional Lokomotive Leipzig jogava em outro estádio
na mesma cidade, a poucos quilômetros dali, só que para um público de apenas 2
mil pessoas.
Texto em PDF:
Disponível em < http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2014/05/140430_legado_leipzig_elefantebranco_dg.shtml
> Acesso dia 20 de maio de 2014.
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